sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Capítulo 1: A maldição

Na noite em que o menino nasceu, um anjo manco voou sobre ele e lhe jogou uma maldição. “Você nunca conhecerá o amor!” Não havia ninguém no quarto. O escuro que rondava aquele anjo assentou-se friamente sobre o menino que começou a chorar. Sobre o berço havia um crucifixo que o anjo, com sua asa quebrada, tocou. No mesmo instante o metal retorceu formando um novo símbolo. As pontas opostas de cada eixo da cruz se uniram de maneira circular. Deste símbolo começou a verter um líquido negro e espesso que, escorrendo pelo berço, começou a molhar todo o lençol da criança.

O anjo carregava consigo uma trouxa de pano nas mãos. Abriu-a, retirando dela um punhado de terra e sal misturados que jogou em volta da criança. Também se notava umas raízes de plantas muito finas e ressecadas na mistura. Provavelmente eram restos de plantas que haviam sido recém-plantadas e rapidamente mortas por obra do próprio anjo. Finalmente com seu dedo sujo de terra, colheu de sua própria boca um pouco de saliva a qual depositou sobre os lábios do menino. Ele parou de chorar.

A criança fitava o anjo mal. Esta colocou suas duas mãozinhas sobre as mãos envelhecidas do anjo que sorriu achando graça. O anjo sussurrou para a criança de maneira maternal as mesmas palavras novamente: “Você nunca conhecerá o amor!” e, no mesmo instante, a criança inocentemente reconhecendo aquela cena grotesca como um gesto maternal se amamentou da saliva que impregnava o dedo do anjo sobre sua boca.

Os lábios da criança foram ficando arroxeados, sua expressão pálida, as unhas amareladas e todos os vasos da sua circulação periférica se tornaram visíveis sob a pele. Então, a criança parou de respirar e uma lágrima tão transparente quanto a sua pureza escorreu de seus olhos. Ao lado do berço havia um vaso cheio de água com somente uma rosa branca dentro. Num clarão, o cristal subitamente trincou e se rompeu, derrubando a água, a rosa e os cacos sobre o chão. Todas as pétalas se desprenderam com a queda e murcharam.

No mesmo instante em que o anjo diabólico tentava roubar aquela gota de lágrima triste da criança, o trinco da porta do quarto que abrigava o bebê começou a se movimentar. O demônio, assustado, olhou para trás. Sobre a estante, ao lado da porta, um relógio de madeira tocava o som da meia-noite. Encostado nele, outro anjo observava a cena enquanto impedia que a porta se abrisse. Mas diferente do primeiro anjo, não havia trevas a sua volta. Ele simplesmente sorriu para o anjo mal e destrancou a porta.

Subitamente a mãe da criança entrou no quarto. Ela havia acordado com o barulho do vaso que havia se quebrado. Olhou a sua volta. Nada! Tudo estava exatamente no lugar. Não havia vaso quebrado, só um ar gelado que entrava pelas frestas da janela.

As únicas coisas diferentes que observara foram: o crucifixo jogado ao chão juntamente a rosa branca que caíra do vaso e o berço a balançar vagarosamente. O bebê dormia apesar de ela ter escutado seu choro há segundos atrás. Nos olhos fechados da criança havia apenas uma lágrima. A mãe fechou a cortina da janela e voltou para o seu quarto a fim de descansar.

Quando tudo voltou a ficar silencioso, o segundo anjo reapareceu com uma luz muito forte ao lado do berço da criança. Com sua mão tocou o rosto do bebê, capturou a lágrima tímida que restara em seus olhos e a bebeu. O ser iluminado sorriu para a criança que abriu novamente os olhinhos. Foi se afastando do berço um pouco zonzo. Sua luz aumentava e diminuía até quase apagar-se totalmente. Então apareceram outro dois anjos de relance que o seguraram para não cair.

A última que cena que aquela criança viu foi a daqueles três anjos. O do meio com as pernas flácidas, dorso dos pés tocando o chão, braços estendidos um para cada lado, sendo carregado por eles pelos outros dois anjos. Por fim, o sorriso do anjo já sem forças se tornou apenas um olhar triste e em seguida, uma cabeça baixa e sem vida. Imediatamente o escuro voltou para retomar o que a noite havia começado: o fim e o começo de um novo dia.

2 comentários:

  1. Uou... Muito legal, Fe!

    Parece muito Megiddo, um filme que assisti há algum tempo.

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  2. Já te falei,mas falo de novo:primeiro capitulo ta perfeeeito!

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