sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Capítulo 2: O primeiro aniversário

O dia amanheceu ensolarado. A mãe entrou no quarto, amamentou seu filho, deu-lhe banho e, finalmente, o colocou de volta no berço. Este, por sua vez, foi enfeitado de branco para a data especial: o primeiro aniversário do menino. Haveria uma pequena festinha na casa daquela família.

À luz do sol, os olhinhos da criança brilhavam como nunca. Eram de um azul cheio de vida, o que sempre acabava por chamar a atenção de todos os convidados. Eles diziam ao menino palavras doces, faziam barulho com o papel dos presentes; ele se atentava a cada som que surgia no ambiente colocando a lingüinha de fora e dando um grande sorriso.

Tia Gilda chegou um pouco atrasada. Estava eufórica, esbaforida e trazia consigo uma notícia que mudaria a atenção de todos: finalmente engravidara! Havia acabado de descobrir por aqueles testes que normalmente compramos na farmácia.

Realmente o dia não poderia estar melhor. Após uma noite tão misteriosa e macabra, o novo tempo havia raiado imponente, talvez decidido a ser bom, bem diferente das trevas que recobriram a casa. Tia Gilda foi até o berço e disse para o nosso menino fazedor de caretas:

- Você vai ganhar um priminho de presente, coração!

- Ou talvez uma priminha... – completou tio Luís, o futuro papai e médico da família.

O menino deu um gritinho de alegria como se achasse graça no jeito “lasanhão” da tia Gilda em dar a notícia. Ela literalmente era muita massa, recheio e ainda tempero para alegrar o ambiente! Estava acima do peso, é verdade. Mas apesar de seu tamanho e volume, bastava ela abrir a boca que seu vozeirão acalmava qualquer coração assustado. Ela era carinhosa demais, boa cozinheira e divertidíssima!

Após festejar sua boa notícia, abriu a sacola que trazia consigo e tirou um ruidoso presente: um chocalho extremamente barulhento. Sua irmã, mãe do nosso menino fanfarrão, ainda brincou dizendo que não bastasse o choro do menino de hora em hora pedindo peito, ainda teria que escutar o mesmo chacoalhando aquele barulho o dia todo! A criança deu outro gritinho de alegria. O menino era tão esperto quanto levado.

Tia Gilda balançou o chocalho para o menino. Ele riu alto e gostoso sem fixar o olhar no brinquedo. Tia Gilda achou estranho. Chacoalhou novamente a coisa. Novamente o menino acompanhava o som com a cabeça, mas não com o olhar. Perguntou para a mãe se aquilo era normal. A mãe não soube responder; chegou a comentar que nunca havia reparado algo assim antes. Não haveria nada de errado com aqueles lindos olhinhos claros!

O sorriso do menino cessou. Todos olharam fixamente para ele. Um novo clima de mistério rondou a casa e entrou berço adentro. Como se tudo acontecesse em câmera lenta, um último guisado do chocalho foi ouvido. Alto e longo! O menino procurou o barulho com o olhar primeiro lentamente, depois assustadamente e por fim desesperadamente. Não o encontrou. Seus olhinhos murcharam de tristeza.

- O menino é cego! – diagnosticou tio Luís, encerrando o assunto, a festa, o dia.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Capítulo 1: A maldição

Na noite em que o menino nasceu, um anjo manco voou sobre ele e lhe jogou uma maldição. “Você nunca conhecerá o amor!” Não havia ninguém no quarto. O escuro que rondava aquele anjo assentou-se friamente sobre o menino que começou a chorar. Sobre o berço havia um crucifixo que o anjo, com sua asa quebrada, tocou. No mesmo instante o metal retorceu formando um novo símbolo. As pontas opostas de cada eixo da cruz se uniram de maneira circular. Deste símbolo começou a verter um líquido negro e espesso que, escorrendo pelo berço, começou a molhar todo o lençol da criança.

O anjo carregava consigo uma trouxa de pano nas mãos. Abriu-a, retirando dela um punhado de terra e sal misturados que jogou em volta da criança. Também se notava umas raízes de plantas muito finas e ressecadas na mistura. Provavelmente eram restos de plantas que haviam sido recém-plantadas e rapidamente mortas por obra do próprio anjo. Finalmente com seu dedo sujo de terra, colheu de sua própria boca um pouco de saliva a qual depositou sobre os lábios do menino. Ele parou de chorar.

A criança fitava o anjo mal. Esta colocou suas duas mãozinhas sobre as mãos envelhecidas do anjo que sorriu achando graça. O anjo sussurrou para a criança de maneira maternal as mesmas palavras novamente: “Você nunca conhecerá o amor!” e, no mesmo instante, a criança inocentemente reconhecendo aquela cena grotesca como um gesto maternal se amamentou da saliva que impregnava o dedo do anjo sobre sua boca.

Os lábios da criança foram ficando arroxeados, sua expressão pálida, as unhas amareladas e todos os vasos da sua circulação periférica se tornaram visíveis sob a pele. Então, a criança parou de respirar e uma lágrima tão transparente quanto a sua pureza escorreu de seus olhos. Ao lado do berço havia um vaso cheio de água com somente uma rosa branca dentro. Num clarão, o cristal subitamente trincou e se rompeu, derrubando a água, a rosa e os cacos sobre o chão. Todas as pétalas se desprenderam com a queda e murcharam.

No mesmo instante em que o anjo diabólico tentava roubar aquela gota de lágrima triste da criança, o trinco da porta do quarto que abrigava o bebê começou a se movimentar. O demônio, assustado, olhou para trás. Sobre a estante, ao lado da porta, um relógio de madeira tocava o som da meia-noite. Encostado nele, outro anjo observava a cena enquanto impedia que a porta se abrisse. Mas diferente do primeiro anjo, não havia trevas a sua volta. Ele simplesmente sorriu para o anjo mal e destrancou a porta.

Subitamente a mãe da criança entrou no quarto. Ela havia acordado com o barulho do vaso que havia se quebrado. Olhou a sua volta. Nada! Tudo estava exatamente no lugar. Não havia vaso quebrado, só um ar gelado que entrava pelas frestas da janela.

As únicas coisas diferentes que observara foram: o crucifixo jogado ao chão juntamente a rosa branca que caíra do vaso e o berço a balançar vagarosamente. O bebê dormia apesar de ela ter escutado seu choro há segundos atrás. Nos olhos fechados da criança havia apenas uma lágrima. A mãe fechou a cortina da janela e voltou para o seu quarto a fim de descansar.

Quando tudo voltou a ficar silencioso, o segundo anjo reapareceu com uma luz muito forte ao lado do berço da criança. Com sua mão tocou o rosto do bebê, capturou a lágrima tímida que restara em seus olhos e a bebeu. O ser iluminado sorriu para a criança que abriu novamente os olhinhos. Foi se afastando do berço um pouco zonzo. Sua luz aumentava e diminuía até quase apagar-se totalmente. Então apareceram outro dois anjos de relance que o seguraram para não cair.

A última que cena que aquela criança viu foi a daqueles três anjos. O do meio com as pernas flácidas, dorso dos pés tocando o chão, braços estendidos um para cada lado, sendo carregado por eles pelos outros dois anjos. Por fim, o sorriso do anjo já sem forças se tornou apenas um olhar triste e em seguida, uma cabeça baixa e sem vida. Imediatamente o escuro voltou para retomar o que a noite havia começado: o fim e o começo de um novo dia.

Primeira postagem do ano...

Fala pessoal! Desculpa não ter postado mais nenhum texto e ter sumido assim, de repende! Estive trabalhando no vestibular da VUNESP e por isso não tive mais tempo de escrever. Agora estou de volta, na ativa. Andei pensando muito sobre o que escrever, então, aí vai uma tentativa de narração em capítulos. Se vocês estiverem gostando eu continuo a tentativa.

Abraço a todos e obrigado pela visita no blog.

Felipe

e-mail/msn: felipenadai@hotmail.com